terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Já fazia dias que Prado vira seu sócio e companheiro de apartamento chegar com as mãos banhadas em sangue, num estado que parecia de choque. No entanto, não ousara perguntar o que havia acontecido. Ao invés disso, no dia seguinte, apenas fingira que não havia nada de errado e continuaram com a reconstrução da loja de informática. Perez falava pouco. Na verdade, agia de forma estranha, por vezes misteriosa, principalmente quando falava com o tal amigo Miguel. Isso irritava um pouco Prado, fazia-o sentir-se excluído, mas não tinha intimidade suficiente com o parceiro para qualquer tipo de cobrança pessoal. Mas, depois de três dias de quase total silêncio, tentou puxar algum assunto mais animado.
- E aí, tá chegando o Natal... Já tem planos? – perguntou, enquanto almoçavam num restaurante próximo à loja.
Sem se alterar, Perez apenas desviou os olhos para ele por um momento, terminou de engolir a comida que estava mastigando e respondeu, sem emoção.
- Não gosto muito do Natal. Talvez eu durma... – continuou comendo.
Prado ficou espantado, mas não demonstrou. Continuou comendo. Terminaram a refeição e o dia passou como uma tortura para ele. O clima depressivo de Perez era como um odor desagradável que infestava o ambiente e o incomodava por demais. Sabia que a mãe do rapaz estava em coma, mas, puxa, a vida continuava! Viver como um miserável não mudaria o estado da mãe, não iria fazê-la sair do coma. Mas tudo bem, não seria ele que iria dizer isso. Mas, por via das dúvidas, sairia à noite para relaxar um pouco. Graziela estaria de serviço hoje e seria uma boa passar umas horas em sua companhia, mesmo sabendo que ela mal teria tempo para conversar. Mas era bom vê-la em seu uniforme de bargirl. Isso o fazia lembrar-se dos tempos em que o dinheiro entrava como água e alguns funcionários o idolatravam. Ah, o poder... realmente fazia falta às vezes.

*****
A noite de Prado fora ótima. Principalmente porque metade das bebidas que tomava era por conta da casa, afinal, ele namorava a bargirl preferida do lugar. Pensar na palavra “namoro” o fizera estremecer por um momento, mas já era muito tarde, estava cansado e com sono. Graziela o havia deixado em seu prédio há poucos minutos. No dia seguinte ligaria para saber se o carro já ficara pronto. Também ligaria para o gerente do banco para perguntar a respeito da vaga, pois já esperara demais.
Entrou no apartamento tentando não fazer muito barulho, afinal, não queria incomodar seu hóspede e sócio. Fechou a porta devagar, passou pela cozinha à direita, logo depois da sala e apenas pegou uma garrafa de água mineral na geladeira. Saiu e seguiu em frente pelo corredor, entrou no quarto, tirou os sapatos e despiu-se quase por completo, ficando apenas de cueca. Foi até a suíte, lavou o rosto, escovou os dentes e passou seu creme para as mãos. Voltou para o quarto, tomou um gole de água e, depois de deixar a garrafa descansando no criado mudo ao lado da cama, deitou-se e não demorou a pegar no sono. Porém, sua soneca não durou muito tempo. Logo foi acordado pelo barulho do celular de Perez e pôde perceber que o rapaz estava se movimentando pelo quarto. Não demorou muito e ouviu o barulho das chaves na sala e soube que ele tinha saído. Voltou a dormir.

*****

Prado acordou novamente, com um barulho de alguém mexendo no apartamento, pelos ruídos, achou que fosse na cozinha. Levantou-se cautelosamente. Abriu a porta devagar, armado apenas dos punhos. Não poderia ser Perez, ouviu quando ele saíra de manhãzinha. Que horas devia ser? Não fazia idéia, mas o sol já invadia a sala pelas frestas da cortina da varanda. Enfim, chegou até à porta da cozinha, olhou com cuidado, e tomou um susto. Não por encontrar um invasor, nada disso, afinal, era apenas seu sócio preparando o café. O susto ficou por conta da mesa cheia de guloseimas, sucos e frutas preparada para o café da manhã. Perez virou-se para Prado assim que o notou.
- Ah, bom dia! Eu preparei um café da manhã, se não se importa...
- Não, não... tudo bem... – respondeu Prado, espantado e desconfiado da atitude do rapaz.
- E se não tiver problema, eu trouxe uma pessoa pra tomar café e queria que você conhecesse. Está na sala.
Prado não disse uma palavra. Apenas recuou alguns passos e olhou para a sala. Quem seria a misteriosa visita que fizera uma mudança tão drástica no humor de Perez? Seria o tal Miguel, seu amigo/namorado ou sei lá o que? Logo que se aproximou do fim do corredor e pôde ver o sofá, soltou um suspiro de alívio. Os cabelos grisalhos e a pele enrugada deixava óbvio que não era nada do que estava pensando. Como pôde ser tão idiota? Era lógico que a pessoa, a única que poderia , talvez, causar tamanha transformação em Perez, era sua mãe.
- Oi, bom dia... – disse Prado, hesitante.
- Óh, bom dia! – disse a velha senhora, se levantando – Você deve ser Prado, sócio do Perez... – concluiu, enrubescendo um pouco.
- Sim, sou eu. Então a senhora melhorou? Que bom! – respondeu Prado, sorrindo e procurando a razão da velha ficar com o rosto corado. Então percebeu que estava só de cueca e, provavelmente, isso estava constrangendo a pobre senhora – Me dá licença que vou colocar uma roupa, fique à vontade.
Correu de volta para o quarto e tratou de vestir uma camisa e uma bermuda. Depois de trajar-se adequadamente, voltou à sala, mas mal começou a conversa com a mãe de Perez, foi interrompido pelo mesmo.
- Prado, eu vou levar minha mãe até o Retiro. Mas de tarde a gente se encontra na lan house. Precisamos contratar alguém, temos algumas entrevistas marcadas para hoje, lembra?
- Ah sim, claro... – divagou Prado – A gente se vê depois, então.
Despediram-se e tão logo Perez e a mãe saíram do apartamento, Prado aproveitou para ir à cozinha e atacar os quitutes que o rapaz havia preparado.

*****

Horas depois, ambos se encontraram em frente à reformada loja de Perez, agora transformada também em lan house. O esquema da loja continuaria basicamente o mesmo, mas ao invés de manter a oficina nos fundos, ela seria transferida para o andar superior, dando lugar assim para os vinte computadores ligados em rede.
Prado, que havia acabado de recuperar seu carro, devidamente consertado, tateava entre algumas chaves procurando a certa para abrir a porta de metal da entrada. Um pouco impaciente, Perez tomou-lhe o molho das mãos e encaixou a chave na fechadura, girando no sentido anti-horário e destravando a porta. Começou a levantá-la e, assim que Prado apoiou-se por baixo para ajudá-o, ele tentou quebrar o gelo.
- Então... planos para o Natal? – perguntou Perez, não muito animado.
- Hum... nada ainda... – respondeu Prado, ainda mais sem ânimo.
- E sua família?
- Meus pais moram longe. E, no momento, não posso me dar ao luxo de viagem de férias...
- Certo. Tava pensando numa pequena ceia no seu apartamento, o que acha? Só a gente.
- Só a gente...? Tipo, só nós dois, como um...
Perez interrompeu-o.
- Não, só a gente próxima eu quis dizer. Eu, você, minha mãe, sua namorada, a Ana...
- Quem é Ana?
- É uma das enfermeiras que cuidam da minha mãe.
- Sei... e seu amigo, como ele chama mesmo?
- Miguel.
- É, e o Miguel, não vai convidá-lo?
- Não.
- Vocês... hã... brigaram? Ou algo assim?
- Não, mas ele não é tão meu amigo assim.
- Certo. Legal. Acho uma boa idéia.
A essa altura, a porta já estava aberta. Então os dois concordaram com um aceno de cabeça e entraram, pois logo os candidatos à vaga estariam chegando.

*****

Horas e vários candidatos depois, Perez e Prado já haviam entrevistado algumas pessoas. Rogério recepcionava-os na parte da frente da loja e, um a um, os mandava para a entrevista, na parte dos fundos, onde agora era a lan house. Depois da entrevista, o candidato voltava para a parte da frente, onde ficava aguardando por algum veredicto. Havia bons candidatos, mas o mais difícil era que os dois tivessem opiniões de acordo. Enfim, no crepúsculo, concordaram, pelo menos, em chegar a uma conclusão.
- Pra mim parece óbvio que devemos contratar a Júlia. – começou Prado.
- Não, vamos contratar o Marcelo. – discordou Perez.
- O quê? Por quê? A Júlia é perfeita! Ela é formada em informática, tem curso de hardware e tá no primeiro ano de sistemas de informação. Qual o problema?
- O problema é que não é por isso que você quer contratá-la. Você a escolheu por causa dos olhos azuis, dos cabelos cacheados e dos peitos grandes e empinados.
- Qual é...? Eu nem reparei nisso...!
- Claro. Vamos contratar o rapaz. Não quero correr o risco de você se envolver com uma funcionária. Depois ela nos processa e aí estamos ferrados. Eu vi “Assédio Sexual” e, acredite, você não é o Michael Douglas.
- Que papo mais estapafúrdio é esse? Ela é boa! Quero dizer, tem boas qualificações! Além do mais, o cara também pode nos processar por assédio.
- Por quê? – espantou-se Perez, olhando de relance para Prado, voltando a examinar as fichas dos candidatos logo em seguida – Você é bissexual?
- Não! ...Mas e se você for?
- Muito engraçado. Vamos contratar o Marcelo.
Prado respirou por um momento. Isso não estava dando certo. Tudo bem que os dotes físicos da garota o haviam deixado de queixo caído, mas isso não quer dizer que ela não era competente.
- Você está sendo preconceituoso... – voltou a argumentar.
- E você, safado. – retrucou Perez.
- Tá, vamos dar uma chance. Um teste, sei lá, alguma coisa assim, na semana que vem, depois do Natal, o que acha?
Perez suspirou.
- Tá legal. Afinal, as qualificações dela são mesmo boas. Vamos pedir para que eles retornem na semana que vem e a gente faz um teste.
Prado sorriu.
- Assim é que se fala, “chefe”. – zombou, terminando com um tapinha nas costas.

*****

Era véspera de Natal. Perez mal podia esperar para buscar sua mãe no Retiro. Ainda mais porque Ana havia aceitado seu convite para a ceia. Talvez ele conseguisse um pouco de felicidade enfim. Nada de demônios, nada de maldições ou histórias loucas para bagunçar sua vida. Só um pouco de felicidade com a família e os amigos. Amigos. Engraçado. Nunca tinha tido amigos muito próximos e, de repente, Prado começava a tornar-se mais do que apenas um sócio comercial, apesar das diferenças todas entre eles. Pelo menos o rapaz era engraçado, divertido e otimista. E talvez ele precisasse mesmo de um pouco disso em sua vida.
Nesse momento, Prado chegou, mal esboçou um “fala aí” e foi para o banheiro. Perez aproximou-se da mesa da sala de jantar, que ficava na outra extremidade da sala e observou algumas cartas que seu companheiro deixara sobre a mesa.
- Então... tá tudo bem? – gritou, para que Prado o ouvisse do banheiro.
- Tudo bem nada. Passei no banco que fiz a entrevista. O emprego “miou”. O gerente acabou dando pra trás e contratando uma burra peituda qualquer...
- Ah... por que será que isso me soa como justiça irônica?
- Muito engraçado. – disse Prado, aparentemente com a calma recuperada e saindo do banheiro.
Quando chegou à sala, encontrou Perez fuçando em sua correspondência, com um sorriso largo aberto na cara.
- Que foi? – perguntou.
- Seu nome... é Pedro Prado? – disse Perez, quase não se contendo.
- Sim, por quê?
- Hahaha! Isso é hilário...!!
- E posso saber por quê? Quem sabe eu consiga dar algumas risadas também?
- Sabia que quando a Marvel começou a publicar quadrinhos no Brasil, o nome do Homem-Aranha foi traduzido de Peter Parker para Pedro Prado?
- Tá, e daí? Grande coincidência.
- E daí que Pedro Prado é um baita trava-língua! Tenta dizer três vezes: o pé do Pedro Prado é preto! Hahaha!
- Ah tá... e... e... o seu nome que é Daniel Perez?
- E daí, qual o problema?
- O problema é que você é praticamente a versão masculina daquela atriz que foi assassinada pelo cara do elenco da mesma novela, a Daniela Perez! É bem pior, tá vendo?
- Cara, você é louco... Bom, vou buscar minha mãe, quer ir junto?
- Não, vou tomar um banho.
Nesse momento, o celular de Perez tocou. O rapaz pegou o aparelho na mão, conferiu a ligação, mas não o atendeu. No entanto, fez uma expressão de insatisfação.
- Que foi, alguma coisa errada? – preocupou-se Prado.
- Não, não é nada. É só o Miguel. Depois eu falo com ele... quando estiver afim... – dizendo isso, apanhou as chaves do carro e partiu.

*****

Já passava das dez da noite quando Graziela finalmente tirou o peru do forno e puderam começar a refeição. Todos estavam bastante empolgados e falantes, apesar da pouca intimidade entre eles. Tão logo deu meia-noite, a mãe de Perez, alegando estar muito cansada, pediu pra se retirar. Perez se prontificou em deixá-la à vontade e dormir no quarto em que ele ocupava. Depois disso, perguntou a Prado se poderia hospedar a mãe nesses dias de festa, até o ano novo, pelo menos.
- Claro, tudo bem. Só que você é quem vai ter de dormir no sofá... – brincou.
Como Graziela e Prado haviam preparado quase toda a ceia, Perez e Ana se ofereceram para lavar a louça. Nada mais justo, foram os dois para a cozinha.
- Então, já tem planos para o ano novo? – perguntou Perez, com um brilho infantil nos olhos.
Ana sorriu, quase que timidamente.
- Estou... hã... estudando as opções.
- Hum... e passar a virada junto com a gente é uma boa opção?
- Depende...
- Do quê?
- Junto com “a gente”? Ou junto com “você”?
Perez ignorou então que suas mãos estavam até o pulso de espuma e detergente e beijou Ana, que retribuiu apaixonadamente. Poucos minutos depois, estavam com as roupas parcialmente molhadas e respiração ofegante.
- Sabe... sua mãe vai ficar no seu quarto... é natal...
- Sim...?
- ...Meu apartamento não é longe daqui... se quiser conhecê-lo...
Perez sorriu. Em seguida, passaram apressadamente pela sala.
- A gente vai dar uma saída, Prado. E deixa que de manhã eu lavo a louça, prometo. Qualquer problema, liga no meu celular. Tchau pra vocês.
O casal que estava na sala apenas sorriu e se despediu. Em seguida, foi Prado que reiniciou a conversa.
- Então, Grazi, meu amor... parece que estamos enfim sós...
- Ah tá... isso se você desconsiderar a doce velhinha dormindo no outro quarto.
- É, tem isso. – fez uma pausa, depois recomeçou – Sabe Grazi, nunca fui muito de rotinas, mas por mais que minha vida fosse movimentada, sempre tive certo controle sobre as coisas. Sobre meu emprego, meu salário, sobre o que é meu. E agora estou um pouco ainda assustado com tudo que está acontecendo, tipo, não tenho um emprego, estou investindo praticamente todo meu capital numa loja que pode dar prejuízo... – fez outra reflexão, só depois de alguns segundos continuando – Então, apesar de tudo isso, eu estou gostando dos desafios e do que está acontecendo. Estou gostando de “não saber” o que vai acontecer. É excitante, sabe? E... como eu vou dizer isso... hã... você me conhece há um bom tempo e sabe que eu nunca fui de me envolver muito, mas, tudo muda. E dentre todas essas mudanças que te falei, acho que, a melhor na minha vida, foi estar com você. Quero dizer, sei lá, estou gostando de estar com você, da sua companhia, da ansiedade pra poder vê-la de novo... acho que estou... como é a palavra... apaixonado?
O rosto de Graziela estava iluminado e o sangue subia-lhe à face, dando às suas bochechas uma coloração avermelhada. No fim, não pôde dizer nada, apenas esboçou um sorriso cúmplice e fez um afago no braço do seu declarante.
- Então, que tal desligarmos a tv, irmos até o quarto... ainda tem bastante daquele óleo de massagem... – sorriu maliciosamente.
- Eu estava me perguntando, - disse ela, enfim – quando é que sua conversa ia terminar na parte em que você me leva pra cama... – riu.
- Pois é. Algumas coisas nunca mudam. – terminou ele, levantando-se e beijando a mão dela, para que o acompanhasse.

*****

No penúltimo dia do ano, a lan house finalmente estava prontinha para ir a funcionamento. Mas ainda faltava contratar um funcionário para juntar-se a Rogério. Sendo assim, por volta das nove da manhã, Perez, Prado, Marcelo e Júlia estavam reunidos para resolverem a questão e colocarem fim ao suspense.
Iniciaram o teste, que durou pouco mais do que quinze minutos, afinal, não era nada muito complexo para quem tinha conhecimento profundo em informática. Marcelo terminou primeiro, poucos minutos antes de Júlia. Os dois sócios deixaram os pretendentes ao cargo na loja e se reuniram na ante-sala ao fundo, agora a lan house.
- E então, Perez, o que você acha...?
- Acho que o Marcelo sabe um pouco mais do que a Júlia.
- É, eu também acho... – concordou Prado, um pouco decepcionado.
- Mas vamos contratar a Júlia.
- O quê? Mas você acabou de dizer que o Marcelo sabe mais... – retrucou Prado, sem entender.
- Sim, mas analisa comigo... a Júlia tá no primeiro ano de faculdade e precisa do emprego pra bancar a faculdade. Logo, ela nos dá uma garantia de que não vai sair por cansaço. E, além disso, o Marcelo não precisa do dinheiro. O pai dele é engenheiro, banca as baladas dele, então, o emprego não é essencial.
- Quer dizer que tá escolhendo por condição social? Tipo, dando chance para o mais pobre? Que meigo... – gozou.
- Lógico que não. A questão é que, como a Júlia precisa do dinheiro, ela não vai largar o emprego à toa, entendeu?
- Claro. E além disso, ela tem um par de seios...
- Pára! – interrompeu Perez, rindo – Antes que eu desista da idéia!
- Tá, vamos fazer o quê então? A gente dispensa os dois e depois liga pra ela?
- Não. – respondeu Perez, com cara de desentendido. Levantou-se em seguida e sem cerimônia foi à outra sala, na frente da loja.
- Júlia, - disse, em voz alta – a vaga é sua, começa no dia 2, traga sua carteira de trabalho. Marcelo, fica pra próxima, vamos manter seu currículo e qualquer coisa a gente te liga.
Levemente decepcionado, o rapaz agradeceu Perez e saiu, enquanto Júlia sorria satisfeita. Deu um abraço nos dois novos patrões, apreciado muito por Prado, e saiu.
Prado olhou para Perez com uma expressão enigmática.
- Então é isso sócio. Estamos prontos.

*****

Era o último dia do ano, e o sol começava a se pôr no horizonte. Prado havia saído para buscar Graziela e Perez aguardava a chegada de Ana. Estava feliz e satisfeito, principalmente por sua mãe, que estava no banho, ter saído do hospital. Logo que ela saiu do banheiro, encontrou-se com ele na sala. Perez levantou-se e deu um abraço nela, que mal reagiu. O rapaz estranhou, mas nada quis comentar. A mulher apenas caminhou em silêncio, abriu a porta de vidro que dava para a sacada do apartamento e saiu. Seu filho a seguiu de perto.
- Sabe, - começou a senhora – quando você fez aquele ritual, você não tinha idéia no que estava se metendo, não é?
- Do que... a senhora está falando, mãe? – estranhou Perez.
A velha encostou-se à grade da sacada. Apoiou os dois braços sobre ela e continuou falando.
- Você não faz idéia... do que fez... – divagou.
- Mãe, não sei...? – insistiu Perez, ficando próximo da mãe, mas ainda sem entender como ela podia saber do ritual.
- Você ainda não entendeu, não é? Você vai perder tudo que ama. Tudo e todos.
- Não diga isso, mãe... – os olhos do rapaz estavam marejados – o que eu fiz foi...
- O que você fez foi idiotice. Porque você é um idiota. Igual ao seu pai.
A cara do rapaz era puro pânico e desespero.
- Por que está dizendo essas coisas, mãe...? O que a senhora tem?
- Perez, – começou a senhora, com voz lenta – eu não sou sua mãe. Sua mãe nunca saiu do coma. – sorriu, diabolicamente – E nunca vai sair. Diga “adeus mamãe”. – terminou a velha senhora, saltando da varanda do oitavo andar do prédio.
Perez avançou, tentou segurá-la, mas era tarde demais. Tudo que viu foi o corpo de sua mãe chocar-se contra o asfalto metros abaixo, e o início de gritaria e pandemônio na rua. As lágrimas ofuscaram sua visão, não podia ver, nem tão pouco, se orientar. Cambaleou até a porta de vidro da sala, mal podendo ficar em pé. O nó em seu estômago era um novelo enorme de lã, embaraçado. Nada mais fazia sentido ou tinha razão. Sua mãe estava morta.
Episódio 8 – Feliz Ano Novo, Perez!